Há alguns meses, em abril propriamente dito, o colunista Reinaldo Crocco Junior escreveu sobre a relação de Porto Feliz com as comemorações, no ano 2000, dos cinco séculos de chegada dos portugueses ao Brasil. De fato, temos na cidade um enorme monumento em metal, no formato de uma esfera armilar com uma “faixa” onde se vê o número 500 alusivo a essa comemoração.
Dizem que três cidades receberam tal monumento: Porto Seguro, na Bahia, por ser o primeiro local onde os portugueses oficialmente aportaram no Brasil; São Vicente, no litoral de São Paulo, por ser a primeira vila funda da pelos lusos em 1532; e Porto Feliz por ter sido o principal palco de partida de expedições fluviais ao interior do país, chamadas de Monções, especialmente durante o século XVIII.
Infelizmente, o monumento não possui uma placa e as informações se perdem com o tempo. Aliás, permitam-me abrir um parêntese aqui: vários monumentos de Porto Feliz estão “desplacados”, ou seja, sem as devidas placas, como é o caso do busto a Cezário Motta na Praça da Igreja de São Benedito. A placa do Largo da Penha sumiu com a reforma e ninguém deu conta. Na época, fiz a denúncia do sumiço aqui nesta coluna, mas...
O monumento da esfera armilar é caso à parte. Nunca teve uma placa, mas o jornal Cruzeiro do Sul noticiou a sua inauguração no dia 22 de abril de 2000, data que comemorou o dia da chegada dos portugueses ao Brasil nas caravelas comandadas por Pedro Álvares Cabral.
Naquela época, Porto Feliz participou das comemorações como sendo a cidade na qual o “Brasil foi descoberto por dentro”. Com isso, o que se queria dizer é que os portugueses se mantiveram no litoral (“por fora do país”), enquanto “bandeirantes” e monçoeiros realizaram expedições que permitiram conhecer o país em seu interior.
Essa visão histórica foi uma construção que se consolidou durante a República Velha, em que o passado paulista foi enaltecido de maneira a justificar a liderança política dos “coronéis” cafeicultores de São Paulo na política brasileira. Historiadores como Afonso d’Escragnolle Taunay e Alfredo Ellis, bem como o desenhista Belmonte (pseudônimo de Benedito Bastos Barreto — 1896 1947) deram aos primeiros paulistas, chamados de “bandeirantes”, o aspecto heroico que povoa nossas mentes até os dias atuais. Por isso, Taunay esteve presente em Porto Feliz em 1920 durante a inauguração do Monumento aos Bandeirantes (ou às Monções) e ao Parque das Monções.
No ano 2000 houve uma revisitação a essa versão heroica da História e de maneira efusiva e ufanista, a cidade comemorou os 500 anos da chegada dos portugueses, e consequente tomada de posse do território que se converteu em colônia lusitana.
Pois bem, dentro desse contexto um belíssimo painel foi instalado em Porto Feliz. Entretanto, por uma infelicidade, esse monumento encontra-se oculto da maior parte dos porto-felicenses. Trata-se de um painel em concreto de autoria de Serrano, no qual está esculpida uma caravela.
Não se sabe por qual motivo, o painel já nasceu “escondido” do grande público. Ele está localiza do na atual Praça Josué Henrique, atrás do prédio da Biblioteca Municipal, com sua face esculpida voltada para a rua João Pessoa, de menor trânsito em relação à rua Otoni Joaquim de Souza. O verso desse monumento é hoje um painel de grafitagem.
Ocorre que a obra de Serrano está a necessitar de intervenções de restauro. E é merecedora de tal cuidado. Afinal, trata-se de uma obra artística que representa, assim como a Esfera Armilar, um momento histórico em que a cidade de Porto Feliz foi novamente alçada ao posto de importante localidade para a História nacional.
Independentemente dos exageros ou distorções da visão romântica e ufanista da época da República Velha, o fato é que a cidade de Porto Feliz teve, sim, a sua importância histórica para o povoamento do interior do Brasil. E o painel de Serrano nos ajuda a lembrar disso.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
Comments