A pesquisa em jornais do passado é uma viagem prazerosa que estimula a nossa imaginação – exercício involuntário que realizamos ao tentar apreender os sentidos das informações que recebemos de outrora – e nos transporta para outra realidade. Quando podemos pesquisar o cotidiano de nossa cidade no passado, temos a tendência de comparar o que conhecemos hoje com o que ocorreu em outros idos. De fato, é essa uma tarefa que desperta a curiosidade e o interesse.
Constantemente gosto de procurar informações sobre Porto Feliz nos jornais antigos cujas edições estão disponíveis para consulta, especialmente na internet. É o caso do jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, que desde a sua fundação, em 1903, tinha uma amplitude regional, repercutindo notícias das cidades circunvizinhas.
Ora, Porto Feliz é uma cidade fronteiriça com Sorocaba e, por isso, não é difícil encontrar uma ou outra notícia sua no jornal sorocabano. Em 1904, por exemplo, quando o jornal Cruzeiro do Sul completava um ano de existência, a cidade de Porto Feliz apareceu como notícia em algumas edições. E essas notas são curiosas porque dizem respeito à História de nossa cidade. Aquilo que um dia foi o cotidiano, hoje, coberto pelo pó do passado, se converte em informação histórica. O jornal é uma fonte espetacular, nesse sentido.
Como toda fonte histórica, ela tem de ser vista com os critérios da ciência histórica. Daí a importância do historiador para desvendar os meandros por detrás da informação veiculada. Por outro lado, a informação em si, impressa nas páginas do jornal, também podem ser lidas como fatos curiosos e interessantes, sem que haja a necessidade do domínio das técnicas historiográficas para desvendá-las. A cada público o seu quinhão. Uns leem as informações apenas pelo motivo de se tratar de curiosidade; outros, pelo exercício da interpretação dos fatos passados para dar sentido ao presente. Estes últimos são os historiadores.
Em 16 de janeiro de 1904, o Cruzeiro do Sul noticiou que em Porto Feliz “a municipalidade trata de dotar a cidade com o abastecimento de água, cujo serviço será de prompta e immediata realização. A água a canalisar está na propriedade do sr. Ernesto Fernandes de Camargo que, de boa vontade, cede o manancial”. Hoje temos água encanada em casa, água essa tratada e de qualidade. Mas, antes de 1904, a situação era outra...
Em 27 de janeiro daquele ano foi noticiada pelo mesmo jornal a morte de Jayme Maurício de Oliveira, tesoureiro da Irmandade de São Vicente em Porto Feliz. Em 6 de fevereiro, publicou-se uma série de pequenas notas, todas juntas, o que sugere a existência de um correspondente do jornal sorocabano na cidade de Porto Feliz: “Foi muito concorrido o enterro do sr. Jayme Maurício de Oliveira. Casou-se o sr. Francisco de Almeida Barros com d. Maria Luiza Kuntz, filha do sr. Emílio Teodoro Kuntz, negociante. Também casou-se o sr. Amadeu Pires de Almeida com d. Noemia Pires de Almeida. O intendente municipal sr. Adolph Bland, decretou a taxa de 10% addicional sobre todos os impostos municipais, para amortização do capital adquirido para o abastecimento de água. Esta lei entrará em vigor em 1 de Julho. Promette ser bom o carnaval este anno. Pessoas distinctas trabalham activamente para dar a maior solennidade as festas da semana santa”.
Em 14 de setembro, na primeira página, a cidade de Porto Feliz aparece com grande destaque em texto que discorre sobre as comemorações da Independência do Brasil. Assinado por “Do Correspondente”, o extenso texto descreve que a alvorada, às quatro horas da madrugada, a Banda União Porto-Felicense tocou “depois de terem sido queimados vinte e um tiros de bateria”. Às 18 horas houve uma missa Te-Deum rezada pelo padre José Ilídio Rodrigues, e depois, às 20 horas, saiu um préstito que visitou diversas casas de autoridades locais, momentos em que foram proferidos discursos alusivos à data que se comemorava. Ao final, houve uma festa em que tocaram as Bandas Euterpe Porto-Felicense e União Porto- -Felicense.
Em 19 de outubro foram anunciados os falecimentos de Ernesto Fernandes de Camargo e de Olympio Paes de Almeida. Ambos de famílias conhecidas na cidade. Essa imersão nos jornais antigos não apenas revela detalhes fascinantes sobre o cotidiano de Porto Feliz no início do século XX, mas também nos permite refletir sobre as transformações sociais e tecnológicas que moldaram a cidade ao longo do tempo. Ao revisitar essas páginas amareladas pelo tempo, compreendemos melhor as raízes de nossa comunidade e a evolução dos serviços que hoje tomamos como garantidos. É um exercício que não só satisfaz a curiosidade, mas também nos conecta de forma mais profunda com a história viva da cidade, valorizando o passado enquanto olhamos para o futuro.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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