Alguns teóricos da comunicação defendem a ideia de que a constituição da cidade é um sistema de comunicação amplo que determina quem tem ou não o direito de circulação pelos mais diversos espaços. Ademais, a cidade também comunica como se organiza a sociedade que abriga, seus valores, seus costumes, suas memórias.
É um movimento dialético e dialógico, com a contribuição dos inúmeros agentes que compõem a face urbana da cidade. Há, por vezes, uma disputa de comunicação em que duas informações se chocam e se digladiam em busca do domínio territorial com a imposição de suas marcas e de suas memórias.
Assim, a Praça Coronel Esmédio, cujo nome foi impresso pela oficialidade, por muito tempo foi conhecida apenas como Chapéu da Madre, seu nome popular advindo de uma já demolido abrigo de concreto cujo formato se assemelhava ao adereço que as antigas madres usavam em suas cabeças. Da mesma forma, a Praça Dr. José Sacramento e Silva é, para todos os efeitos, Praça da Matriz. O Parque das Monções nunca é chamado por esse nome se não pelo de “Gruta”, em referência à existência da réplica da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes existente naquele local.
Porém, a comunicação da cidade não se restringe à imposição das toponímias, ou seja, da nomeação dos espaços e lugares. Joice Berth, em seu livro Se a Cidade Fosse Nossa, apresenta perspectivas interessantes de como se dá essa comunicação da cidade com os seus habitantes e, dialeticamente, como os habitantes se comunicam com a sua cidade.
O processo de gentrificação, por exemplo, que é a expulsão das pessoas mais pobres para os lugares mais afastados das áreas centrais (com todos os seus benefícios) diz muito sobre quem pode e quem não pode acessar os espaços dentro da cidade. Ao nomear um espaço, nas palavras de Joice Berth, como área nobre a cidade comunica que as diferenças sociais atingem também a “qualidade” das pessoas: umas nascem melhores do que as outras.
Afinal, a raiz histórica do termo nobre remete a essa separação entre alguns poucos “escolhidos” e a massa pobre e trabalhadora que sobrevive das migalhas do desprezo.
Algumas cidades proíbem o comércio nos semáforos. As justificativas são diversas e chegam a abordar questões como segurança dos vendedores e dos veículos. Entretanto, qual é a alternativa de sobrevivência que a cidade oferece para tais pessoas? E quando essa alternativa é obstaculizada, as outras opções, como a mendicância ou, nos casos mais extremos, a violência como forma de obtenção de recursos para a sobrevivência, são todas criminalizadas, combatidas e discriminadas.
O que a cidade comunica nesses casos? Que o direito fundamental da sobrevivência não é extensivo a todas as pessoas. Nesse sentido, quando aquilo que é comunicado pela cidade recebe outra comunicação confrontante, como no caso da recalcitrância do vendedor do semáforo que insiste e resiste às normas impostas, o que se percebe é o estabelecimento de uma comunicação rebelde.
A segregação socioespacial que atinge as populações mais pobres e periféricas, tem como contrapartida, segundo Joice Berth, a cultura da pichação numa resposta. É uma comunicação rebelde, assim como tantas outras que desafiam as regras impostas. Uma Folia de Reis numa área urbanizada de uma grande cidade é outra forma de comunicação rebelde que desafia a lógica do capitalismo que organiza as relações dessa mesma cidade. Um grupo de pescadores que se aproveitam dos rios que passam em áreas urbanas também se constitui em uma forma de comunicação rebelde.
A cidade faz a sua comunicação. Os habitantes se comunicam em harmonia ou em rebeldia com a cidade. É assim a vida se estabelece nesse espaço.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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