A região do Médio Tietê pode-se orgulhar em ter alguns traços culturais bastante típicos. Um deles é o cururu, desafio cantado que difere das outras trovas que se espalham pelos rincões do Brasil. Em verdade, no entanto, o cururu é até mais conhecido do que se imagina.
Muitos pesquisadores se debruçaram sobre o tema, tamanho interesse que desperta essa forma inusitada de desafio cantado. A começar pelo fato de o cantador não ser o mesmo que empunha o instrumento musical de acompanhamento; neste caso, a viola caipira. No repente nordestino, por exemplo, o cantador é o próprio violeiro. Depois, as estrofes e os versos dos cantadores de cururu são mais extensos. No passado, levava-se em média 20 minutos cantando. Por fim, as rimas, chamadas de “carreiras’ que possuem a mesma terminação.
Por exemplo, a carreira de São João, os versos devem rimar sempre com “ão”; as do Divino, com “ino”; e assim por diante. Os desafios, em geral, são feitos por duplas. Uma dupla canta contra outra dupla em busca do entusiasmo e aplausos do público.
Apesar de ser um traço cultural bastante específico da região, o cururu vem ao longo dos anos se ressentindo da falta de espaços e até mesmo de divulgação nas mídias. O público ainda se mantém fiel, mas cada dia menos pessoas conhecem essa manifestação cultural, o que tem reduzido o número de assistentes. Há uma década ocorria em Tatuí, no Conservatório, um Torneio de Cururu com cantadores de diversas cidades do Médio Tietê. O evento era um sucesso, mas, infelizmente, foi extinto.
Neste final de semana, especificamente no dia 1º de dezembro, domingo, ocorreu uma apresentação de cururueiros no Sesc Sorocaba. Entre os cantadores estiveram presentes Cássio Carlota (Porto Feliz), Andinho (Votorantim), Dito Carrara (Sorocaba) e Luizão do Pau D’Alho (Piracicaba), acompanhados pelo violeiro Toninho Paes e pelo pandeirista Bertinho.
A apresentação teve como objetivo homenagear a “aposentadoria” do grande violeiro Carlos Caetano. Esse violeiro acompanhou diversos dos mais afamados violeiros, dentre os quais o saudoso Cido Garoto, expoente do cururu, cujo estilo de construção dos versos se assemelhava aos de Zico Moreira, outro expoente que alcançou cem anos de idade.
O público presente no Sesc Sorocaba se dividiu entre aqueles que apreciam o cururu há muitos anos – como a espetacular Nhá Bentinha, apresentadora dos desafios – e aqueles que estavam tendo o primeiro contato com essa cultura. De qualquer maneira, ambos os públicos saíram satisfeitos com a apresentação.
Para quem não conhecia o cururu essa foi uma oportunidade de ter um primeiro contato com essa tradição cuja origem se perde no longo túnel da História. Para quem já conhecia, esse foi um momento sublime de reviver as emoções que os desafios de cururu sempre despertaram. Sim, pois a cada estrofe cantada, o público se manifestava com entusiasmo, esperando o “embate” entre os cantadores.
No cururu, um cantador provoca o outro por meio de versos jocosos e histórias inventadas. Assim, num tom de brincadeira, os cantadores criam contendas e os que tiverem as melhores respostas ganham mais aplausos do público. Não se sabe ao certo como o cururu surgiu e muito menos quando. Há quem diga que tenha sido ainda na época dos “bandeirantes”. Outros acreditam que seja mais recente. Uma coisa é certa: o desafio, também chamado de trova, é uma tradição antiquíssima. A pesquisadora Julieta Andrade, por exemplo, acredita que toda forma de cantar trovado, incluindo o cururu, tenha nascido na França medieval e se espalhado pela Península Ibérica, antes de chegar ao Brasil.
Aliás, Julieta Andrade defendeu essa tese em encontros na França e levou, na época, o cururueiro Manezinho Moreira para prestar informações sobre o cururu para os estudiosos da trova cantada. Com isso, o que os franceses têm de informação sobre a trova cantada no Brasil não é o repente nordestino, a trova sulina ou mesmo o desafio calangueado da região do Vale do Paraíba. O modelo de trova cantada do Brasil, registrado na França, é o nosso cururu paulista do Médio Tietê. Portanto, incentivar a manutenção do cururu não é uma ação centrada apenas no saudosismo ou na nostalgia, mas a valorização de uma cultura ímpar.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
Comments