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O ‘Cheiro’ de Papel Rasgado

Ilustração do designer grático artista plástico Nilson Araújo

Em todos os rincões do Brasil os municípios protagonizam os mais diferentes costumes de vida, dando origem à incomparável beleza das nossas tradições populares e culturais. O município é, indiscutivelmente, o palco natural da história, pois é no município que a vida se desenvolve em todas as suas diversificadas expressões.


Em cada município brasileiro, principalmente naqueles que se localizam no interior do país, existem os bairros que se notabilizam pelas características evidenciando os hábitos e aptidões dos seus moradores. Em nossa cidade não é diferente! Desde os velhos tempos da Freguesia de Araritaguaba até os dias atuais, a história registra que a Barra Funda é o bairro que polariza as manifestações culturais neste município, razão pela qual pode-se afirmar que a Barra Funda é o “Bairro Poético” de Porto Feliz!


Na Barra Funda viveu o Maestro e Compositor Virgilino dos Santos, premiado com a Batuta de Ouro pelo Conservatório Musical Giuseppe Verdi, de Milão – Itália, pela beleza e técnica de suas composições musicais. Na Barra Funda viveram os músicos Juquinha Alves, Mestrinho, Edmundo do Violão e Babita. Na Barra Funda nasceu a Es cola de Samba Acadêmicos da Barra. Na Barra Funda surgiu a Banda do Mé, um dos ícones do nosso carnaval. Na Barra Funda o saudoso Jorge Casseta criou o famoso boizinho que encantou os primeiros passos do carnaval de rua em Porto Feliz.


Na Barra Funda viveram o Maestro Voltaire Torres e o grande seresteiro Antenor Ferraz de Oliveira. Na Barra Funda está a Casa da Cultura Narcisa Stettener Pires onde são realizados os encontros culturais da nossa época. Na Barra Funda nasceu o saudoso Dr. Célio Pires, considerado o “diplomata da medicina” pelo seu jeito nobre e por sua lhaneza de alma. Na Barra Funda está o Estádio Dr. José Esmédio Paes de Almeida, do Esporte Clube União, o clube centenário e mais antigo desta terra. Na Barra Funda viveu o inesquecível Dr. Antoninho, considerado “o pai da pobreza” por sua dedicação aos nossos irmãos menos favorecidos.


Na Barra Funda existiu o Teatro Municipal que se loca lizava na Rua Cândido Motta, cuja venda foi autorizada pela Lei Municipal nº 27, de 20 de outubro de 1923. Esse Teatro Municipal foi palco, por muitos anos, das mais importantes encenações teatrais levadas a efeito em Porto Feliz, e por ele passaram famosos atores locais como Dito Sckipa e Luiz de Barros Pinheiro, integrantes do antigo e saudoso Grêmio Dramático e Recreativo Progresso.


A história registra que em certa ocasião foi encenada no Teatro Municipal da Barra Funda uma peça romântica e melo dramática intitulada O Segredo da Carta. Nem é preciso dizer que para essa apresentação os atores ensaiaram por alguns meses, pois a responsabilidade de cada um era muito grande, na medida em que a expectativa popular se apresentava ainda maior.


 Pois bem. Na principal cena dessa peça a jovem atriz recebia uma carta e mal começava a ler aquela missiva quando ouvia os passos que anunciavam a chegada do seu pai. Atônita, pois o seu pai não poderia vê-la com a carta nas mãos, a jovem atriz de veria pegar imediatamente um isqueiro previamente colocado sobre a mesa e queimar aquela carta, mantendo com isso, para sempre o seu segredo. Ao entrar em cena, o pai, surpreso, deveria dizer: “Oh, mas que cheiro de papel queimado!!!”. Essa cena marcaria o final da peça e, por conseguinte, deixaria a plateia muito curiosa por não ter sido revelado o “segredo da carta”. Restaria, assim, para cada um dos assistentes o julgamento se a filha deveria ou não deve ria contar ao pai, a verdadeira razão daquele cheiro de papel queimado.


Toda essa encenação teria, como era comum acontecer na época, o acompanhamento sonoro da Orquestra do consagrado Maestro Rogadinho. A cena seria realmente marcante. Mas em se tratando de encenação teatral, tudo pode acontecer. E realmente aconteceu! No dia da apresentação, com o Teatro Municipal da Barra Funda inteiramente lotado, abriram-se as cortinas para a principal e derradeira cena da peça. A plateia ansiosa pelo “segredo da carta”; os atores naturalmente com adrenalina à flor da pele.


A jovem atriz começa a ler a carta quando ouve os passos do pai que vem se aproximando. Imediatamente busca pelo isqueiro que deveria estar sobre a mesa, mas lamentavelmente não estava, por falha incorrigível do contrarregra! Nervosa, a jovem atriz se viu na obrigação de improvisar numa fração de segundo. Raciocinou, então, rapidamente, e RASGOU A CARTA!!!


Por seu tempo o ator que interpretava o pai e ainda fora de cena tinha acompanhado o desespero da atriz no palco pela busca do isqueiro não encontrado, também apelou para  a improvisação e, ao entrar em cena, mudou a sua fala dizendo entusiasticamente: “OH QUE CHEIRO DE PAPEL RAS GADO!!!”.


Nesse momento soaram os belos acordes musicais da Orquestra regida pelo Maestro Rogadinho e, sob os aplausos entusiasmados da plateia, as cortinas se fecharam encerrando o espetáculo e deixando no subentendido, não apenas o “segredo da carta”, mas também a curiosidade por saber como seria o tal “CHEIRO DE PAPEL RASGADO”!


Esse fato real mostra um pouco da história e da magia que revestem a Barra Funda, o Bairro Poético de Porto Feliz.


O teu nome é sagrado na história / Teu passado glorioso assim diz / Velha Terra de Araritaguaba / Meu chão, meu orgulho / Meu Porto Feliz!


Reinaldo Crocco Júnior é advogado, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

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