As cidades do interior são incomparavelmente poéticas! Nascer no interior é assumir a verve indelével do sotaque “caipira”. Viver no interior é revestir a alma do perene encanto motivado pelo esplendor da natureza, que tão somente no interior é abençoa da com o cheiro do mato, com o gorjeio dos pássaros, com o brilho incandescente das estrelas e com a sublime inspiração do luar. Só quem vive no interior compreende a mensagem de um olhar, o significado de um gesto, e ainda se comunica na poesia de um dialeto típico que bem realça o dinamismo da língua portuguesa, repleta de modificações históricas, culturais e sociais.
Não se olvide, pois, que a língua é um poderoso instrumento de interação social que pertence a todos os membros de uma comunidade, o que faz dela um patrimônio cultural que evolui e transforma-se historicamente. Pensar na língua como um elemento imutável é um grande equívoco, pois ela é dinâmica e modifica-se de acordo com a necessidade dos grupos sociais que dela fazem uso.
Mas não é apenas isso. As cidades do interior têm suas características registradas por hábitos, atitudes e falas dos habitantes que, muitas vezes, não coincidem com os hábitos, atitudes e modos de vida considerados normais pelos visitantes.
Nesse típico contexto interiorano e lá pelos velhos tempos existiu na Vila de Porto Feliz o hábito saudável de se colocar apelidos, com o intuito de chamar a atenção por alguma coisa relacionada à fisionomia ou ao modo de agir da pessoa. Como sói acontecer em situações desse jaez, alguns detestavam seus apelidos, outros até os incorporavam e pediam para serem chamados por essa referência, mas existiam também aqueles que agiam com rigorosa cautela, na tentativa de escaparem ilesos do espírito satírico dos “famigerados apelidadores”!
Por conta disso um importante mandatário do governo impe rial brasileiro, ao chegar à Vila de Porto Feliz para o desempenho do seu honroso ministério, foi logo se precavendo para fugir da marca implacável de um possível apelido. Depois de ser devidamente recepcionado e respeitadas as formalidades de praxe, aqui fixou sua casa de residência ao lado da família.
Homem religioso e de grande responsabilidade social, dedicou-se de tal maneira às tarefas do seu cargo que, além do ambiente de trabalho, frequentava apenas e tão somente a igreja. Não era dado à festa e nem a visitar os amigos. Diariamente, findo o expediente profissional, recolhia-se à sua residência e, com certa frequência, olhava pela janela colocando a cabeça para fora com o fim de apreciar a rua, voltando em seguida para dentro.
Assim agiu o dedicado e precavido homem público, dia após dia, por mais de quatro anos. Passado esse tempo e ao receber a ordem de transferência para outra Vila, reuniu os companheiros de trabalho e os amigos para agradecer e se despedir. Era um homem de palavra fácil e proferiu nessa oportunidade um eloquente discurso enaltecendo a hospitalidade com a qual fora agraciado durante sua permanência na Vila de Porto Feliz e, em tom de blague, comemorou por estar saindo ileso, pois, ao que pudera perceber, não havia recebido qualquer apelido.
Findo, todavia, o memorável discurso, foi grande a sua surpresa ao ser chamado de lado por um amigo que, respeitosamente, o informou que juntamente com a gratidão do povo estaria levando consigo um apelido carinhoso. “Como assim?”, indagou surpreso o homem público. “Eu nem tive vida social nesta Vila!” E o amigo, então, esclareceu: “Lembre-se de que, costumeiramente, dia após dia e por mais de quatro anos, Vossa Excelência colocava a cabeça pelo espaço da janela para expiar a rua e voltava-se rapidamente para dentro. Pois bem! Por conta da criatividade popular isso lhe valeu o carinhoso apelido de CUCO!!!”.
Como se observa, não é por mero acaso que na história do humor característico das cidades do interior, muitos personagens ilustres foram e são caricaturados e acabam por receber apelidos ligados, em sua maioria, a traços físicos ou expressões do seu caráter facilmente reconhecíveis na época. Não há, pois, como negar. O interior é mesmo criativo e in comparavelmente poético!
Salve Terra das Monções / Tua gente varonil / Honrará tuas tradições / E a grandeza do Brasil!
Reinaldo Crocco Júnior é advogado, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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