Desde 2006, sou professor de História na cidade de Porto Feliz, e foi nessa mesma época que algo em mim despertou: o interesse pela história e pela tradição do povo negro local. Inicialmente, era um misto de fascínio pela riqueza cultural e pela força das narrativas, mas logo percebi que havia ali algo ainda maior. Era uma consciência de que valorizar essas histórias é fundamental na luta antirracista. Como professor de História, sempre acreditei no poder transformador da educação, e sabia que, ao trazer essas vozes para a sala de aula e para o debate público, eu poderia ajudar a mudar mentalidades.
Com o tempo, comecei a coletar histórias. Algumas vinham de entrevistas com pessoas que compartilham suas vivências; outras surgiam de documentos, livros e tantas fontes históricas quanto eu conseguia acessar. Esse trabalho foi ganhando forma e culminou, entre 2013 e 2014, na publicação de uma série de artigos no jornal Tribuna das Monções. Esses textos ocupavam uma página inteira e, em 2015, foram reunidos no livro O Negro em Porto Feliz.
O livro, de tiragem pequena, logo se esgotou também pelo interesse despertado. Tal interesse não se limitou a cidade de Porto Feliz. Em 2016 o livro concorreu e venceu o Prêmio Sorocaba de Literatura. Exemplares do livro estão em bibliotecas públicas, como a de Porto Feliz e Sorocaba, e, também, em bibliotecas de universidades e no acervo do Museu Afro-Brasil, em São Paulo.
Acredito que essa recuperação das histórias e da cultura africana e afro-brasileira tem contribuído para reflexões importantes. Um dos efeitos desses textos, por exemplo, pode ser visto nas peças teatrais sobre as Monções (episódio da nossa história que retrata as expedições fluviais do século XVIII, de Porto Feliz até Cuiabá), as quais tem dado mais visibilidade a participação de mulheres, negros e indígenas, não apenas como coadjuvantes na história, mas até como protagonistas.
Recentemente, no dia 19 de novembro, vivi um momento especial na EMEF Coronel Esmédio, onde leciono desde 2006. Foi a abertura da 1ª Mostra Representativa do Projeto Gente de Porto, com pai néis belíssimos do artista Nilson Araújo, destacando personalidades negras da cidade. Esse projeto foi desenvolvido em parceria com o professor Tobias Donizeti dos Santos e com o apoio do diretor Daniel Oliveira Piasentin. A abertura da exposição contou com a presença do colunista da Tribuna, parceiro de página, Dr. Reinaldo Crocco Júnior; e do presidente da União Negra Ituana (Unei), Vicente Sampaio. Para mim, foi o coroamento de quase duas décadas de trabalho. Afinal, o que se pode apreciar nessa mostra se coaduna perfeitamente com os objetivos que me levaram a pesquisar, lá naqueles idos de 2006, a história do povo negro porto-felicense.
Para o público em geral, a oportunidade de conhecer ou mesmo de rever as biografias e personalidades que contaram (e continuam contando) a nossa História pelo olhar do povo negro.
Espero que, para os estudantes, essa mostra inspire novos olhares e abra caminhos para uma educação antirracista. E, para todos nós, que seja um passo rumo a uma sociedade onde as pessoas sejam reconhecidas pelo que realmente são, e não pela cor de sua pele. Não custa sonhar.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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