top of page

Boatos em 1830

Hoje em dia a expressão em inglês fake news é amplamente usada. No entanto, há coisa de poucos anos, esse termo ainda não havia adquirido a notoriedade de uso que goza atualmente. Naquela época, a palavra mais comum para designar uma difusão da mentira era boato.


Vemos que o boato esteve presente em diversas opor tunidades de nossa História. Durante a Revolução de 1932, em que São Paulo se levantou contra o governo federal de Getúlio em prol da promulgação de uma Constituição, havia os chamados boateiros, divulga dores de falsas notícias com o intuito de arrefecer os ânimos dos revolucionários paulistas. Neste Estado de São Paulo, os boateiros pegos em flagrante eram presos.


Às vezes o boato se confunde com a fofoca. Essa última, no entanto, não necessariamente está vinculada à falsidade da informação, embora comumente se utilize do exagero. Fulana já se casou 14 vezes... Na realidade, foram apenas cinco vezes.


Em 1830 começou a circular um boato na Província de São Paulo, dando conta de que a Constituição da Monarquia, outorgada em 1824, seria anulada e o país seria regido sob a forma Absolutista de concentração de poderes. Isso fazia parte de uma campanha de desmoralização da figura do Imperador Dom Pedro I. Aparentemente, ao desgaste político do imperador (como os gastos excessivos e desnecessários para a manutenção da Guerra da Cisplatina) somou--se o receio de que ele pudesse assumir o trono de Portugal, quando da ausência de seu pai, convertendo o Brasil novamente numa colônia.


Diante dessa perspectiva, grupos políticos pretendiam livrar-se do imperador e, assim, garantir a independência do Brasil. Pois os porto-felicenses, ao se depararem com o boato, reagiram. O episódio foi descrito no jornal A Aurora Fluminen se, edição de 16 de junho de 1830. Diz a reportagem:


Para darmos a idéa do espirito publico nas províncias e da firme resolução, em que estão os Brasileiros, de manterem a todo o custo a sua Constituição e Instituições livres, referiremos hum acontecimento, que ocorreu há pouco na Villa de Porto feliz, província de S. Paulo. Tinhão alli circulado por vezes boatos de que se projectava proclamar o absolutismo e os receios, que pozerão alerta os Brasileiros em todo os ângulos do Império, produzião igual resultado entre os bons habitantes de Porto feliz. Nesta disposição dos ânimos, succedeu que chegasse o Correio que costuma levar da Corte, e da Capital os periódicos e cartas, e que não trouxesse nem cartas nem Periódicos: tudo se inquietou...


Após os Correios não terem entregue cartas e nem jornais naquele dia, os porto-felicenses julgaram que algo grave houvesse ocorrido. Com isso, a circulação de boatos foi como fogo sobre lenha seca, espalhando-se de tal maneira que ferveu os ânimos dos habitantes da cidade. Ainda de acordo com o jornal:


...; julgou-se que algum rompimento da facção absolutista havia dado lugar a esta interrupção O texto termina chamando à razão os que ainda acreditavam na possibilidade de o Brasil tornar-se uma monarquia absolutista. A conjuntura daquela época não permitia mais que tal fato pudesse ocorrer. Ainda assim, houve quem acreditasse nos boatos...


A mala do Correio demorou a chegar a Porto Feliz e isso já foi causa suficiente para que os boatos se proliferassem até o esclarecimento dos fatos:


Desvanecidos os receios notou se que no meio de tudo não houvera hum insulto a pessoa alguma, e que fora admirável a unanimidade de vontades, quando se tratava de peleijar pela causa da pátria e dos direitos da Nação:


O texto termina chamando à razão os que ainda acreditavam na possibilidade de o Brasil tornar-se uma monarquia ab solutista. A conjuntura daquela época não permitia mais que tal fato pudesse ocorrer. Ainda assim, houve quem acreditasse nos boatos...


Sendo esta a natural tendência dos espíritos no Brasil; sendo a que nos mostrão tantos factos, que todos os dias aparecem n’uma, e n’outra Província; como podem os escravos nutrir ainda absurdas esperanças, de que há de tornar o velho regimen, e porque não se desenganão de que não hão de mais saborear as cebolas do Egypto?  


Em suma, os boatos que circularam em 1830 em Porto Feliz revelam não apenas a fragilidade da comunicação na época, mas também o poder da desinformação em mobilizar e unificar a população em torno de suas crenças e temores. A resposta coletiva diante da incerteza demonstrou a determinação dos brasileiros em defender suas liberdades e direitos, refletindo uma realidade que persiste até os dias atuais. Assim, a história dos boatos nos lembra da importância de discernir a verdade em meio à turbulência informativa, alertando-nos sobre como a manipulação da informação pode moldar a percepção pública e influenciar decisões cruciais.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page