top of page

Rusga: Uma Revolta do Período Regencial

Quando falamos em rusga, pensamos na acepção da palavra na Língua Portuguesa: um pequeno conflito ou briga, um desentendimento. Para quem é do Mato Grosso, no entanto, Rusga é o nome dado a uma das muitas revoltas ocorridas durante o Período Regencial, no intervalo entre o governo de Dom Pedro I e o do seu sucessor Dom Pedro II.


Praticamente desconhecida da maioria dos brasileiros, essa revolta, no entanto, teve repercussão em sua época, apesar de ter-se mantido restrita à memória dos mato-grossenses.


Como em outras localidades, a revolta foi impulsionada pela disputa de “partidos” políticos, ou seja, de agrupamentos ideológicos que disputavam o controle do Brasil. Nas diversas regiões do país essa disputa se refletia em conflitos, alguns dos quais resultaram em levantes armados.


A Rusga ocorreu em maio de 1834 e tinha como motivações a disputa entre liberais brasileiros e conservadores portugueses, estes últimos defensores da restauração do governo de Dom Pedro I que estava em Portugal depois de ter abdicado do trono brasileiro. O jornal O Recopilador Campista, de 18 de fevereiro de 1835, noticiou sobre os fatos ocorridos um ano antes:


Perseguir a tirania Portugueza he unanime opinião Brasileira, e com taes fins se erigio nesta Cidade do Cuiabá uma Sociedade, cujo timbre, já malicioso he – Zeloza Independência do Cuiabá! – A ella se unirão honrados e incautos Cidadãos; porém dirigindo seus trabalhos sedentos monstros de figura humana em secretas sessões traçarão os negredados planos que postos em prática, enlutarão esta infeliz Cidade. No dia 30 de Maio pp. reunidos no Campo de Ourique os Chefes e Satelites de tão infernal associação, a titulo de Guardas Nacionaes, combinados com Sebastião Rodrigues da Costa então no Quartel da Cidade, retiverão neste até as 10 horas da noite a patrulha que de ordem do Juiz de Paz devia rondar a Cidade; a essa ora vendo esses scelerados que seus planos não podião falhar, fazem tocar a rebate, a saque, e a degola: aterrado o povo com taes toques, e com o horror da noite buscava um centro para unir-se e não o achava, pois infelizmente o Governo estava inteiramente coato, e pérfidos conselheiros chefes da anarchia ladeavão o VicePresidente João Poupino Caldas, que cheio de amargura vio praticar essa orda de bárbaros as maiores atrocidades, expesinhando a Constituição, e os mais sagrados, e invioláveis Direitos, que unem os Brasileiros em associação civil.


Os liberais brasileiros, sob a agremiação Zelosa Independência do Cuiabá, promoveram, de acordo com informações da época, atrocidades diversas em que “Forão assassinados nessa noite trez adoptivos, e no seguinte dia um Brasileiro nato, aos quaes ainda vivos lhes foram cortadas as orelhas, e partes genitáes, atravessados os ouvidos com baionetas, e lançado fogo sobre seus agonizantes cadáveres”.


Diante de todos esses quadros de horrores, o Vice-Presidente da Província, Coronel João Poupino Caldas, se apoderou das armas e do Quartel e pôs fim ao estado das coisas. Mas o conflito continuou. Isso obrigou a Poupino que se dirigisse ao Governo Regencial que, então, nomeou Antônio Pedro de Alencastro como presidente da Província.


De acordo com a Wikipédia, “Alencastro efetuou uma feroz repressão. Os líderes do movimento foram detidos e condenados em 24 de junho de 1835”. Manuel Ciríaco, uma das lideranças do movimento, foi condenado à morte por enforcamento. A Guarda Nacional de Cuiabá foi extinta, garantindo o controle das armas pelo governo local.


A revolta da Rusga deixou memória em sua época, sendo referenciada quando ocorreram outros conflitos como a Cabanagem em 1835 no Pará ou a Revolta dos Farrapos no Rio Grande do Sul. O jornal “O Recopilador Campista”, edição de 11 de novembro de 1835, faz abertamente essa associação: “He impossível lêr a ensanguentada narração dos últimos successos do Pará, e não lembrar logo quaes são os funestíssimos effeitos dessa exageração política, desse patriotismo exclusivo e perseguidor que tem levado algumas províncias do Norte á anarchia, que abrio no Rio Grande do Sul a carreira das sedições, que em Cuiabá manchou de atrocidades a história Brasileira, e que atira o mísero Pará no abismo das barbaridades em que está hoje sepultado”.


A revolta da Rusga, apesar de muitas vezes esquecida, desempenha um papel significativo na história do Brasil, especialmente no contexto do Período Regencial. Ao rememorar os horrores dessa revolta, podemos compreender não apenas as tensões políticas e sociais de uma época de transição, mas também as repercussões duradouras que o confronto deixou para as gerações seguintes. A memória da Rusga é essencial para entender as disputas ideológicas, a luta pelo poder e as condições de repressão e violência que marcaram a trajetória do país. Reconhecer essa memória é, portanto, uma forma de honrar os ensinamentos históricos sobre os riscos da polarização extrema e da intolerância política, refletindo sobre os caminhos percorridos na busca pela estabilidade e pela construção de um Brasil mais unido.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page