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A Persistência da Escravidão Moderna

  • tribunaporto
  • 2 de jul. de 2024
  • 3 min de leitura

Infelizmente, a escravidão não é uma questão confinada ao passado. A exploração da mão de obra em troca de um prato de comida e em condições degradantes ainda é uma mancha que macula a nossa sociedade. Há cerca de seis anos, o Ministério do Trabalho resgatou 28 trabalhadores em situação análoga à de escravo no município de Salto (SP). Esses trabalhadores eram das cidades de Quixadá e Quixeramobim, no sertão do Ceará, e foram levados para Salto pelo empregador, para realizar venda de laticínios — queijo e iogurtes — de porta em porta. Na época, o auditor-fiscal do Trabalho Luis Alexandre de Faria, que coordenou a operação, afirmou: “As condições encontradas eram degradantes, pois eles atuavam pelos municípios de Itu, Porto Feliz, Elias Fausto, Capivari, Salto, Sorocaba e Boituva sob chuva ou sol, sem local para descanso, não recebiam refeições ou água potável e trabalhavam de 12 a 16 horas por dia. Os trabalhadores não tinham local para necessidades fisiológicas e ainda carregavam peso excessivo”.


A atual exploração do trabalho, análoga à escravidão, em Porto Feliz e nas cidades circunvizinhas é algo recorrente. O escritor Marcelo Rubens Paiva, no livro coletivo O Verso dos Trabalhadores, publicado em 2015, afirmou em um texto cujo título é O Escravo Moderno, que em Porto Feliz, um avô de um amigo seu possuía uma fazenda de café e de cana-de-açúcar e que na década de 1950 “importava” trabalhadores do Estado de Alagoas.


Nas suas palavras, “o avô precisava de mais trabalhadores braçais que aguentassem o tranco. Porto Feliz era uma cidade pequena, não tinha mão de obra suficiente. Nos anos 1950, ele importava trabalhadores de Alagoas, que vinham num pau-de-arara. Eram os ‘alagoanos’, e sua chegada era um acontecimento. Era como índios chegando na Corte Portuguesa. Ou negros desembarcando nos portos de Angra, Ubatuba, Rio, Salvador”.


Em 12 de junho de 2008, a Agência Estado divulgou uma matéria jornalística de José Maria Tomazela, informando que uma fiscalização do Ministério do Trabalho havia flagrado 52 imigrantes nordestinos trazidos para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar do interior de São Paulo em situação de trabalho degradante, em Porto Feliz. Os trabalhadores, procedentes dos Estados da Bahia, Pernambuco e Ceará, estavam abrigados em duas casas em construção, amontoados em cômodos pequenos e, por falta de camas, alguns dormiam no chão. Não havia chuveiros e instalações sanitárias em quantidade suficiente.


A precarização do trabalho atinge também jovens que exercem diversas atividades laborais em supermercados. De acordo com uma matéria publicada no Portal Porque, de Sorocaba, no dia 9 de abril deste ano, “fiscais da Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE/MTE) flagraram cinco supermercados de Sorocaba com 30 ‘estagiários’ de 16 a 18 anos de idade trabalhando em funções irregulares para esse tipo de contrato, além de remunerações abaixo daquelas determinadas por lei”. Ainda de acordo com essa matéria, “a ação da GRTE será estendida para cidades da região [pois] existem denúncias de situações semelhantes em Itu, Porto Feliz, Piedade, Boituva, Tatuí e Itapetininga”.


Em fevereiro de 2024, o site do Ministério Público do Trabalho em Campinas publicou um texto que aponta a cidade de Porto Feliz como uma das responsáveis pela fomentação de contratação de jovens carentes para trabalharem em empresas da cidade, cumprindo jornadas de horas excessivas e sem a adequada remuneração no valor legal. O procurador Gustavo Rizzo Ricardo “ajuizou ação civil pública após constatar que escolas públicas estaduais da cidade de Porto Feliz (SP) estavam intermediando a contratação de estudantes para trabalhar em empresas da cidade, contudo, sem registro de menor aprendiz, com jornada de trabalho acima do permitido e estudando com atestados irregulares em todas as escolas do ensino médio da cidade”. O juiz Valdir Rinaldi da Silva, do Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Sorocaba, manifestou-se, de acordo com esse texto, em liminar afirmando que “a situação em Porto Feliz exige ‘prioridade absoluta’, pois é capaz de ‘afetar bem maior’, se referindo ao direito inalienável das crianças e adolescentes à educação, saúde, profissionalização, cultura e dignidade”.


Infelizmente, a exploração degradante do trabalho, análoga à escravidão, ainda perdura nos nossos dias. E a cidade de Porto Feliz aparece como uma das responsáveis por isso. Lamentável.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

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