Aprendemos na escola que Dom Pedro II inaugura o período do Segundo Reinado em 1840, quando tinha por volta de 14 anos, devido a uma autorização legal, que ficou conhecida como “Golpe da Maioridade”. Por essa lei, a maioridade de Dom Pedro II foi antecipada, pois temia-se que as agitações políticas da época da Regência afetassem a integridade do território nacional.
De fato, o período Regencial ficou marcado por diversas revoltas, envolvendo as mais diversas regiões brasileiras, incentivando as províncias a se separarem do território nacional instituído a partir da Independência em 1822 e 23. Na Bahia ocorreram a Revolta dos Malês (1835) e a Sabinada (1837 – 1838), no Maranhão, a Balaiada (1838 – 1840); no Grão-Pará, a Cabanagem (1835 – 1840), e no sul do país, a Revolução Farroupilha, que durou 10 anos (1835 – 1845). Novas revoltas desse período vão sendo descobertas pelos historiadores, como é o caso da Revolta das Carrancas, ocorrida em Minas Gerais a partir de uma revolta de escravizados contra a família Junqueira, proprietária de fazendas na região.
É possível, portanto, que outros movimentos de contestação de menor porte tenham ocorrido nesse mesmo período, cujo conhecimento está à mercê do encontro de documentos por algum historiador interessado.
Toda essa agitação da época da Regência se estenderá pela primeira década do governo de Dom Pedro II. Assim, conflitos que não haviam sido resolvidos – como a Revolução Farroupilha – acabam abarcando o governo do imperador e, por vezes, inspiram outras revoltas de disputas políticas entre liberais e conservadores (os dois “partidos’ da época) como a dos Praieiros em Pernambuco (1848) e a Revolução Liberal de 1842.
Um curioso documento produzido pela Câmara Municipal de Porto Feliz, e publicado no jornal O Despertador, do Rio de Janeiro, menciona a preocupação dos porto-felicenses em relação à Província de São Paulo em 1841. Na página 2 da edição de 5 de maio de 1841, o jornal publicou a seguinte nota (juntamente com manifestações semelhantes de outras cidades da Província de São Paulo):
Ilm. E Exm. Snr. – A câmara municipal da Villa de Porto Feliz, como órgão dos habitantes de seu município, e appreciadora dos relevantes serviços que V. Ex. tem prestado a esta província, vem pedir a V. Ex. se digne continuar na presidência d’ella, que tem a honra de contar a V. Ex. no numero de seus filhos, ao menos até que a província do Rio Grande do Sul apresente huma face risonha para o imperio, e esta provincia deixe de ser ameaçada pelos rebeldes d’ella. A camara, confiada no patriotismo de V. Ex., e em sua adhesão à monarchia constitucional, espera ser acolhida benignamente sua supplica. Deos guarde a V. Ex.. por muitos annos. Porto Feliz, em camara ordinaria de 17 de abril de 1841. – Illm. Ex. Snr. Coronel Rafael Tobias de Aguiar, presidente d’esta provincia – José Rodrigues Leite, Antonio Dias de Toledo, Francisco de Oliveira Leire Setúbal, Joaquim Antonio de Carvalho, Joaquim Manoel de Andrada, Francisco da Silva Leite.
Interessante é o fato de que somente a Câmara de Porto Feliz comenta sobre os rebelados farroupilhas e o temor de uma ameaça à província paulista. As demais câmaras manifestam o desejo de continuidade de Rafael Tobias de Aguiar no posto de presidente da província (governador), mas sem mencionar a revolta sulista.
Essas manifestações tinham como motivo o fato de que o Gabinete (Ministério) que subiu ao poder em 23 de março de 1841 era composto por membros do partido conservador e Tobias era liberal. Imaginou-se, então, que ele seria destituído do seu cargo, o que fez com que as câmaras se mobilizassem a seu favor.
Porém, em 15 de julho de 1841, Tobias pede demissão do cargo como exigência do gabinete de 23 de março. Um ano depois, o mesmo Tobias lideraria a Revolução Liberal, que eclodiu em Sorocaba e se espalhou por outras cidades, incluindo Porto Feliz.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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