Os documentos antigos são testemunhos da vida e do cotidiano dos nossos ancestrais. Dentre os documentos oficiais, verificam-se, muitas vezes, aspectos da mentalidade daqueles que comandavam a cidade. Obviamente que a tensão entre o idealizado e o real também se fazem notar nesses documentos.
Os arquivos públicos costumam guardar essas relíquias que são como máquinas do tempo que nos permite conhecer os costumes e a mentalidade de outrora. Um desses documentos são as chamadas Posturas Municipais. Comuns em nosso país a partir da emancipação política em relação a Portugal, e, sobremaneira, com o período Regencial na década de 1830, esses códigos traduzem o dia a dia das cidades. Porto Feliz emitiu, por sua Câmara Municipal, diversas posturas ou Código de Posturas. Em 1831, a Câmara propôs o surgimento de um desses Códigos.
A visualização desse material é possível hoje com a disponibilização de arquivos digitais pela internet. Seria interessante que o governo municipal fizesse um projeto de escaneamento e disponibilização para consulta e pesquisa do material que tem posse e que está arquivado, especialmente no Arquivo Público Municipal. Mas esse é outro assunto para outro momento.
O Código de Posturas de 1831 está disponível no acervo eletrônico da Assembleia Legislativa de São Paulo, com acesso gratuito a quem queira pesquisar. Naquela época os fiscais cobravam taxas (avenças) de quem quisesse produzir e comercializar aguardente “regulando-se pelas possibilidades de cada hum, e nunca fazendo para menos de quatro mil réis”. Quem se arriscasse a vender sem as devidas avenças, pagaria multa de 8 mil réis.
Dizia ainda esse código de leis que “nas mesmas multas incorrerão os engenheiros que venderem para menos de meia medida em suas cazas” (grafia da época). Engenheiro, naquela época, era o dono de engenho de cana-de-açúcar. Os tempos mudam, as palavras ganham outros significados. Questão de semântica. Naquela época as formigas eram uma espécie de praga e, por isso, a lei determinava que "dentro do Rocio das povoaçoens serão todos obrigados a tirar as formigas, que estiverem em suas propriedades". Rocio é uma palavra comum em documentos antigos dos séculos XVII a XIX. Segundo o dicionarista Cândido de Oliveira, trata-se de roça com mato crescido. Faz sentido.
Os reparos das estradas públicas da Villa e Termo de Porto Feliz eram de responsabilidade dos proprietários de terras por onde essas estradas passavam. Como seria se essa lei existisse hoje em dia? Haveria melhor conservação das nossas estradas? A estrada que liga a Sorocaba (Dr. Antônio Pires de Almeida / Emerenciano Prestes de Albuquerque) já teria sido duplicada?
Aproveito o espaço aqui para registrar uma crítica sobre essa rodovia: por esses dias houve intenso congestionamento, por duas vezes, de quilômetros de automóveis parados, porque uma faixa da estrada estava sendo recapeada. Aparentemente, esse congestionamento se deu apenas pela falta de organização de quem estava recapeando a rodovia. Se eu estiver equivocado, por favor, quem representa esse trabalho de recuperação do asfalto, que se manifeste.
Voltando ao Código de Posturas de 1831... O Fiscal tinha a autoridade para permitir a ocorrência de espetáculos na cidade. Por isso, em Porto Feliz, nenhum espetáculo poderia ocorrer sem a autorização do Fiscal. Percebe-se que os fiscais tinham certa importância, não somente para o cumprimento das leis e cobrança de impostos, mas para a manutenção da organização planejada pelos detentores de poder da cidade. Era proibido lançar nas ruas esterco, lixo ou qualquer corpo fétido ou que possa tornar-se fétido pela putrefação. O corpo aqui tem como conotação o de qualquer matéria, de maneira geral. E no controle dessas regras os fiscais estavam também presentes.
Em suma, as Posturas Municipais são um tesouro histórico que oferece um vasto campo para pesquisas e estudos. Elas são fundamentais para a compreensão do cotidiano, das práticas sociais e das mentalidades de nossos antepassados. Portanto, é essencial valorizar, preservar e disponibilizar esses documentos para que possamos continuar explorando e aprendendo com a rica história de nossas cidades e de nosso país.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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