top of page

Kadafi já foi paraninfo de formandos no Brasil

Atualmente, talvez, pouca gente ainda se lembre do líder da Líbia, coronel Muammar Al-Kadafi, que tomou o poder em setembro de 1969, derrubando o regime do rei Idriss. Kadafi, logo depois, procurou dar uma sustentação teórica para o novo regime como um governo das massas, com democracia direta e um socialismo islâmico. Surgiu assim a sua obra O Livro Verde, um opúsculo em que defende as bases do regime que implantou na Líbia.


Nas ideias desenvolvidas nesse livro, Kadafi defende que a política tradicional da democracia liberal seja substituída por comitês que elegem delegados para um órgão maior, o Comitê Geral do Povo (uma espécie de Congresso Nacional). Os delegados não podem votar de acordo com as suas convicções, mas, tão somente, representar o que foi votado no seu comitê de bairro, de atividade profissional, etc. Como o “mandato” desse delegado se extingue após as votações, ele deve retornar às suas bases, o que, em tese, garantiria a fidelidade de seu voto com aquilo que foi decidido no seu colegiado.


Dessa maneira, Kadafi pretendia acabar com a democracia de representação, onde o político eleito vota de acordo com seus interesses e convicções e não com o que realmente pensa e anseia o seu eleitor.


Para a economia, a doutrina de Kadafi vislumbrava uma espécie de socialismo com bem-estar social baseados na religião islâmica. A iniciativa privada continuaria existir, mas com controle estatal de maneira a que a riqueza produzida não ultrapassasse os limites do equilíbrio social. Em outras palavras, o governo garantiria o controle de maneira a não existir excessiva desigualdade social.


Tudo isso, aliado ao discurso anti-imperialista (e, portanto, anti-estadunidense) projetou Muammar Al-Kadafi como uma liderança política simpática às esquerdas no mundo todo. O Brasil não ficou imune e especialmente na década de 1980, o nome de Kadafi estava circulando entre os intelectuais da esquerda. Na mesma época, Kadafi se tornou um dos mais ferrenhos opositores de Reagan e Thatcher, o que o ajudou em sua popularização. Ademais, em meados da década, o seu livro, impresso em Portugal, chegou ao Brasil e foi vendido em grande escala.


Kadafi se tornou tão popular que professores de universidades brasileiras passaram a estudar suas ideias. Desse modo, popularizou-se entre os estudantes. Disso resultou que Kadafi foi convidado a ser paraninfo de, pelo menos, duas turmas de formatura.


Os documentos, produzidos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) estão disponíveis hoje no Arquivo Nacional. No dia 19 de março de 1988, de acordo com relatórios produzidos pelo SNI, um grupo de formandos em Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás convidou Kadafi para ser paraninfo da turma. “Por razões protocolares de Estado, Kadafi não pode comparecer, o cônsul da Líbia, no Brasil, Ajuad Al Jawabri seria seu representante”. Porém, de acordo com esse relatório, o Cônsul também não compareceu à formatura. Porém, o próprio Kadafi “enviou aos formandos uma ajuda correspondente a mil dólares a o custeio das despesas e convidou os novos bacharéis para visitar seu País”.


Em 22 de setembro de 1989 foi a vez da turma de formandos do curso de História e Ciências Sociais da Universidade Católica de Goiás convidar o líder líbio para paraninfo da formatura. Nessa oportunidade, Ali Suleiman Al Aujali, Secretário do Bureau Popular da Jamahiriya Árabe Popular e Socialista da Líbia (nome oficial do país sob o regime de Kadafi), representou o líder líbio. Dessa vez houve suspeita, não confirmada, de remessa de dinheiro do governo líbio para auxiliar nos custos das festividades.


Essas informações, inusitadas muitas vezes, e que não chegam ao público (em todos os documentos constam o carimbo de “confidencial”) são agora reveladas por meio da política de acesso à informação. A disponibilização desses e de tantos outros documentos são de suma importância para que tenhamos o conhecimento do nosso passado. É assim que se constrói um país de cidadãos.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page