O título parece ofensivo. Talvez seja mesmo. Tão ofensivo quanto propor que militares participem da Gestão e da parte pedagógica das escolas. É isso o que propõe o programa de escolas cívico-militares. A lei complementar n° 1.398, de 28 de maio de 2024, que institui o Programa no Estado de São Paulo, diz em seu artigo 1º, § 4°, que “As atividades extracurriculares cívico-militares que comporão o Programa [...] tendo como diretriz o desenvolvimento, no processo de aprendizagem, de: 1 - valores cidadãos, como civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito; 2 - habilidades que preparem o aluno para o exercício consciente da cidadania”.
Ora, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), em seu artigo 2º, já preconiza que “A educação, dever da família e do Estado, [...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A redundância, portanto, dada na ênfase na preparação do exercício “consciente” da cidadania é uma afronta aos educadores enquanto, implicitamente, diz que estes não estão conseguindo cumprir adequadamente o seu papel, necessitando da presença de militares nas escolas para que, de fato, se alcance uma educação para a cidadania.
Pelo programa das escolas cívico-militares, os professores são incompetentes – ou ao menos perderam a sua expertise profissional – para a formação cidadã dos estudantes. Ainda, de acordo com o programa, em seu artigo 3º, são objetivos da escola cívico-militar: “II - a melhoria da qualidade da educação pública no Estado de São Paulo, com ênfase na aprendizagem e na equidade; V - garantir uma gestão de excelência em processos educacionais, pedagógicos e administrativos”. Em suma, não são apenas os professores, mas também os gestores que são incompetentes para cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 3º em todos os seus incisos).
Nesse sentido, o Programa é sim desrespeitoso para com os profissionais da Educação ao propor que a presença na escola de militares, realizando atividades extracurriculares e auxiliando na gestão, é o caminho para a melhoria da qualidade da educação. Ainda que a proposta seja para escolas que apresentem baixos índices de rendimento escolar e incidência de vulnerabilidade social e fluxo escolar (art. 8º).
Na realidade, a chave de todo o “mistério” está aí: a vulnerabilidade social. Essa é a causa e enquanto ela não for combatida, não por meio da violência ou do autoritarismo, mas por políticas públicas adequadas, sempre teremos péssimos resultados na educação. Nisso até o Programa das escolas cívico-militares concorda, pois a existência da vulnerabilidade social é um dos critérios para a sua implantação nas escolas.
Neste momento em que a Polícia Militar do estado de São Paulo aparece nos meios de comunicação associada a uma “escalada de violência nos últimos dias”, o argumento de que algo precisa ser feito emerge. A instituição militar que estaria apta a auxiliar os educadores, hoje está na berlinda como promotora de violências que vão de assassinato de crianças a espancamento de mulheres idosas, passando por outras arbitrariedades.
Dentro da lógica das escolas cívico-militares, o que está faltando para o comando dos quartéis é a presença de pedagogos, comprometidos com uma educação humanizada que possa, de fato, transformar a polícia em uma instituição cidadã.
Sei que a proposta parece ofensiva. A proposta anterior das escolas cívico-militares também foi para os professores. O fato é que algo precisa ser feito dentro das escolas e dos quartéis. Mas cada um em seu âmbito de atuação: educadores nas escolas; militares nos quartéis.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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