
É época de eleição e, de repente, as cidades ganham ares de festa. Bandeirolas (os windbanners) colorem as avenidas e praças, ainda que atrapalhem a visão dos motoristas. É como se estivéssemos nos preparando para um Réveillon, em que cada esquina se transforma em um mini- -carnaval de esperanças e promessas. As pessoas saem às ruas com sorrisos, camisas estampadas, bandeiras nas mãos e um brilho no olhar que lembra a contagem regressiva para a virada do ano. Afinal, não é apenas um novo ciclo que se inicia; é a chance de transformar a cidade, de colorir o futuro com as tonalidades da esperança.
No Ano Novo é comum a ocorrência de rituais com a esperança de transformação “mágica” da realidade. Recorrem-se, no caso do Réveillon, às mais variadas crenças e sortilégios para que as coisas ocorram “bem” durante todo o ano vindouro. Alguns vestem-se de branco, pois acreditam que assim atraem a paz. Bem, o branco simboliza, realmente, a paz. Também é a cor que usualmente os adeptos da umbanda utilizam para reverenciar Oxalá, orixá comumente associado ao Cristo. Em geral, as imagens de Jesus representando Oxalá nos terreiros de umbanda são semelhantes àquelas do Cristo Redentor de braços abertos. É representante da paz, do céu, do ar, da luz.
Há quem procure vestir-se de amarelo, pois é cor do ouro e, portanto, da prosperidade. Ou melhor, da riqueza. Haja ouro para tanta gente! Há quem prefira apenas embriagar-se durante a passagem de um ano para o outro. Esperar pelos fogos de artifício, comer sementes de romã, carregar um galho de arruda... Quanta tradição mesclada para um povo misturado e que, mesmo assim, é preconceituoso e racista.
Durante as eleições acontece algo semelhante. Também existem aqueles que se entregam à embriaguez das promessas, dançando na ilusão do que pode vir. Há quem consuma santinhos como se fossem talismãs, fazendo votos silenciosos a um futuro melhor. As redes sociais fervilham com debates e ataques, como torcidas organizadas que se reúnem em volta da tela da TV na final do campeonato. A contagem dos votos se assemelha ao acompanhamento da apuração dos desfiles de escolas de samba: o coração acelera, a ansiedade é palpável, e a vitória ou a derrota se tornam temas de conversa nas rodas de amigos.
Mas, como em toda celebração, a empolgação cega. Esquecemos que torcer não é suficiente. E a desilusão, quando as expectativas não se concretizam, pode ser mais forte do que a ressaca de um dia 1º de janeiro. Torcer, sim, faz parte do espetáculo. Mas é preciso lembrar que, assim como os fogos que iluminam a noite, a esperança se dissipa quando não está acompanhada da nossa ação cidadã. O que pouco se reflete é que não adianta apenas torcer – e muito menos sofrer – pelo resultado de eleição, campeonato de futebol, carnaval ou passagem de ano. O que é necessário, constante e ininterruptamente, é exercer a cidadania, é trabalhar para que as coisas melhorem sem esperar tanto deste ou daquele.
O que se pede, na verdade, é um exercício contínuo da cidadania. Não adianta esperar que um único candidato resolva todos os problemas da cidade. Assim como nas tradições de Ano Novo, que nos dizem que não é apenas o que vestimos que traz sorte, mas as atitudes que tomamos, devemos entender que a mudança começa em nós. A cidade é um reflexo de nossas ações cotidianas, de nosso compromisso em fazer a diferença, não apenas nas eleições, mas em cada dia que se segue.
E, se formos capazes de fazer isso, quem sabe no próximo Réveillon, as cidades estejam ainda mais iluminadas, não apenas pelos fogos, mas pela energia coletiva de um povo que decidiu agir e não apenas esperar. Afinal, a verdadeira festa acontece quando cada um de nós assume seu papel, não apenas na contagem dos votos, mas na construção de um futuro melhor.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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