A professora de Geografia Érica Martelini Messias Borin emprestou-me um livro de Ítalo Calvino, intitulado As Cidades Invisíveis. Sabedora de que a minha pesquisa do Doutorado se debruça sobre as questões das cidades, a professora Érica entendeu que o livro em questão pudesse ajudar-me nas minhas reflexões. Atitude acertada.
Com poesia e uma profundidade filosófica, Calvino discorre sobre a memória, o desejo e os símbolos das cidades. De maneira geral, trata de como a cidade se comunica com as pessoas. Dessa maneira, Ítalo Calvino desperta em nós o ímpeto de interpretar a cidade e como ela poderia ser receptiva a todos os seus habitantes.
Eis aí o desafio que alcança os governantes também. Como proporcionar o espaço urbano que possa abarcar todos os sonhos, desejos e as múltiplas memórias dos diferentes grupos que compõem as cidades?
Em geral, por exemplo, os monumentos representam símbolos das esferas de poder. Com isso, transmitem, na maior parte das vezes, a perspectiva dos grupos de poder. Eis o motivo pelo qual costumam ser hostilizados com vandalismos ou propostas mais radicais de derrubada ou destruição desses monumentos.
Os museus como lugares de memória precisam ser sensíveis a essa realidade e entender que não existe uma memória da cidade, mas sim, memórias múltiplas que têm direito de existência.
“De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta como seria o tal “CHEIRO DE PAPEL RASGADO”! Esse fato real mostra um pouco da história e da magia que revestem a Barra Funda, o Bairro Poético de Porto Feliz. O teu nome é sagrado na história / Teu passado glorioso assim diz / Velha Terra de Araritaguaba / Meu chão, meu orgulho / Meu Porto Feliz! Reinaldo Crocco Júnior é advogado, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA que dá às nossas perguntas”. Com essa frase, Calvino nos coloca a pensar e refletir sobre quais respostas as cidades nos dão. Será que nas respostas dadas, as pessoas se reconhecem como participantes da construção das cidades? Em outras palavras, as cidades são inclusivas a ponto de serem reconhecidas pelos diversos grupos que a compõem como um lugar acolhedor?
A mobilidade urbana, por exemplo, é um assunto tensionado em relação a inclusão de todas as pessoas. Há uma visível supremacia do espaço urbano para os automóveis em detrimento dos pedestres. E não é raro ver motoristas desrespeitando faixas ou outros espaços dedicados aos pedestres. A primazia da locomoção é entendida como sendo direito a quem está dentro de um automóvel.
Em determinado trecho do livro, Calvino diz que “os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá”. Assim é pouco com a cidade. Poder desfrutar de seus espaços, caminhando e absorvendo todas as suas “respostas” é a forma que se tem de reconhecer o pouco de nós naquilo que está em constante construção.
Para que isso seja efetivo, é preciso, no entanto, que haja por parte dos administradores das cidades o olhar sensível para todas os habitantes. Sem exceções.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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