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A Violência Persistente Contra os Indígenas

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante / De uma estrela que virá numa velocidade estonteante / E pousará no coração do hemisfério sul / Na América, num claro instante / Depois de exterminada a última nação indígena / E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida / Mais avançado que a mais avançada / Das mais avançadas das tecnologias”. Com esses versos, Caetano Veloso compôs e cantou a música “Um índio”.


Na mesma esteira, a banda Legião Urbana, na década de 1980, cantou a música “Índios”: Quem me dera, ao menos uma vez / Como a mais bela tribo, dos mais belos índios / Não ser atacado por ser inocente / Nos deram espelhos e vimos um mundo doente.


Naquela época não era politicamente incorreto chamar os povos indígenas de índios. Mas o que hoje parece ser um sinal de respeito – a modificação do termo “índio” por “povos indígenas” não se coaduna com a realidade. Infelizmente, os povos originários do Brasil continuam sendo vítimas das mais ignóbeis violências e sofrem – como desde o início – com o descaso dos poderes vigentes.


Faz exatos dois anos que foi promulgada a Lei 14402 de 8 de julho de 2022, que Institui o Dia dos Povos Indígenas e revoga o Decreto-Lei nº 5.540, de 2 de junho de 1943 que instituía o Dia do Índio.


Esse sinal de respeito aos povos originários poderia sinalizar uma mudança de mentalidade que, de fato, impulsionasse políticas públicas que pudessem garantir o direito constitucional desses povos em continuar existindo e vivendo de acordo com suas crenças e organização.


No entanto, um relatório do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), publicado a pouco, revela que número de assassinatos aumentou 15% em 2023 e que mais de mil crianças indígenas, entre 0 e 4 anos de idade, morreram naquele mesmo ano vítimas de doenças possivelmente evitáveis como gripe, desnutrição, diarreia.


O relatório aponta, ainda, a inércia do governo federal em ações mais pontuais e incisivas que poderiam amenizar esse quadro.


Apesar da herança de descaso e sucateamento das políticas indigenistas do governo anterior, o fato é que o governo atual não conseguiu nem estabilizar e nem diminuir os números terríveis de violências praticadas contra os povos indígenas.


O atual governo federal tem pela frente um desafio de proporções hercúleas que é o de reverter o histórico processo de dizimação dos povos indígenas que começou em 1500 com a chegada dos portugueses e se estende até os dias de hoje.


O relatório do CIMI traz números alarmantes dessa violência generalizada contra os povos indígenas em 2023. Nesse ano foram assassinados 208 indígenas; 23 sofreram violência sexual; 150 foram os conflitos pela posse da terra; 850 terras deixaram de ser demarcadas; 38 foram os casos de racismo e discriminação étnico-racial; 18 sofreram lesões corporais; 35 foram as tentativas frustradas de homicídio contra esses povos. E toda essa violência, além da falta de assistência de saúde e educação, não é eficazmente combatida pelos poderes instituídos para essa finalidade.


Ao longo das décadas, as expressões artísticas têm ecoado o sofrimento e a resistência dos povos indígenas, como evidenciado nas canções de Caetano Veloso e Legião Urbana. Embora a linguagem e a terminologia tenham evoluído em busca de maior respeito, a realidade permanece marcada pela violência e pelo descaso. A promulgação da Lei 14402 de 2022, que institui o Dia dos Povos Indígenas, é um passo simbólico, mas a implementação de políticas públicas efetivas ainda é uma necessidade urgente para garantir os direitos constitucionais desses povos.


O aumento alarmante dos assassinatos e das mortes evitáveis entre crianças indígenas sublinha a inércia governamental e a continuidade de um histórico de negligência. É imperativo que o governo federal enfrente esse desafio de reverter o processo de dizimação que se iniciou com a colonização. Somente com ações incisivas e comprometimento real será possível construir um futuro onde os povos indígenas possam viver de acordo com suas crenças e tradições, livres das violências que ainda os assolam.


“Um índio preservado em pleno corpo físico / Em todo sólido, todo gás e todo líquido / Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto, em cheiro / Em sombra, em luz, em som magnífico”. Então, quando os poderes públicos realmente se comprometerem com a garantia dos direitos dos indígenas, esses versos de Caetano Veloso farão todo o sentido. E aquilo que nesse momento se revelará aos povos / Surpreenderá a todos, não por ser exótico Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto / Quando terá sido o óbvio”.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

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