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A Naturalização de Estrangeiros em Porto Feliz no Ano de 1890

A polêmica causada pelo repatriamento de imigrantes ilegais nos Estados Unidos na semana que passou reacendeu o debate sobre nacionalidades e o direito de imigração dos povos. Sonho de liberdade extrema, a ideia de poder caminhar pelo planeta sem qualquer limite é algo que o ser humano almeja. Na canção A Lei, o cantor e compositor Raul Seixas defende essa liberdade do homem “De mover-se pela face do planeta livremente sem passaportes / Porque o planeta é dele, o planeta é nosso”.


Na realidade, somos o que somos graças à migração constante. É o que acredita a ciência quando diz que todos os humanos surgiram na África e, de lá, se espalharam pelo mundo. As diferenças étnicas e fenotípicas estariam, assim, ligadas aos diferentes climas de cada região que o ser humano foi habitando nesse sua jornada.


O presidente dos Estados Unidos – perdoe-me, leitor, a não citação do seu nome – busca popularidade por meio de publicidade. Faz um estardalhaço nas redes sociais, alcança os meios tradicionais de comunicação e mobiliza presidentes em protestos contra a forma desumana como estão sendo tratados os repatriados.


Ao que consta, esse grupo de repatriados já estavam a espera da deportação há algum tempo. Ou seja, todo trâmite burocrático para a deportação ocorreu no governo Biden, mas o atual presidente posa como se fosse resultado de uma ação sua de governo. Como se fosse possível reunir um número tão elevado de imigrantes ilegais e deportá-los assim, quase que instantaneamente.


No entanto, os Estados Unidos são um país miscigenado, construído pelos inúmeros imigrantes que para lá aportaram durante séculos. A própria mãe do atual presidente dos EUA foi uma imigrante escocesa (Não foi imigrante ilegal, como sugeriram algumas fake news disparadas nas redes sociais. Mas foi uma imigrante, sim). Uma vitrina bastante límpida sobre esse fato são os atores e atrizes de Hollywood que possuem nomes italianos ou latinos como Robert De Niro, Al Pacino, Andy Garcia, Raul Julia, entre tantos outros.


Assim como nos Estados Unidos, o Brasil também se formou a partir da chegada de imigrantes, livres ou não. As cidades brasileiras surgiram a partir da colonização portuguesa, mas, juntamente com portugueses vieram para cá pessoas de outras nacionalidades como o jesuíta espanhol José de Anchieta.


Quando nos tornamos uma pátria livre de Portugal, a nossa primeira Constituição, do ano de 1824, garantiu a naturalização de estrangeiros, que seriam considerados assim como cidadãos brasileiros, a partir de um documento chamado carta de naturalização (art. 6º).


Aparentemente, a lei que disciplinava sobre a carta de naturalização de estrangeiros surgiu apenas em 23 de outubro de 1832, quando a Regência autorizou o Governo a conceder carta de naturalização a todo o estrangeiro que fizesse o requerimento. Teria direito da carta de naturalização o estrangeiro que fosse maior de 21 anos e, ainda, que estivesse no gozo dos direitos civis e declarado na Câmara Municipal da cidade em que residisse qual era a sua nacionalidade e sua religião.


A República, promulgada em 15 de novembro de 1889, trouxe uma nova ordem para a naturalização. Ainda em dezembro de 1889 ocorreu a chamada “Grande Naturalização”, quando um decreto assinado no dia 14 considerava como cidadãos brasileiros os estrangeiros que declarassem esse desejo. A Constituição republicana promulgada em 1891 reforçou essa diretriz ao afirmar, no artigo 69, inciso 4º, que seriam considerados brasileiros “os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem”.


Em 1890 foi aberto em Porto Feliz um livro de Termos de Recusa de Naturalização, aberto em 26 de março de 1890, pela Intendência Municipal. Nele constam todos os estrangeiros que se recusaram a serem considerados brasileiros, ou seja, que preferiram manter sua nacionalidade original.


O primeiro termo de recusa de naturalização foi assinado pelo português Manoel Joaquim da Silva, de 54 anos. O italiano João Giardino, de 34 anos, foi o segundo estrangeiro a assinar o termo, seguido por seu irmão Antônio Giardino de 32 anos. Logo a seguir, manifestou sua recusa em se tornar cidadão naturalizado brasileiro o italiano João Galiardo (deve ser Gagliardo) de 29 anos e na sequência o também italiano Domingos Castriota. O austríaco Júlio Dellalibena foi o próximo a registrar o termo. Assinam em seguida, o italiano Raphael Bertóli, o português José Pedro Rogado e um grupo de cidadãos belgas: Aimable Leroi, Henri Valdevel, Telesphoro Leroi, Edouard Leroi, Ferdinand Boudard (deve ser Boudart), Voiyens Felix, Alexandre Libois, Desiré Joseph Mourau (provavelmente Moreau), Gustave Dumont, François Labene, Jean Baptiste Tasignon, Jenius Despontin.


Esse livro pertence ao acervo do Arquivo Nacional e pode ser acessado virtualmente. Para o número de estrangeiros existentes em Porto Feliz naquela época, foram poucos os que recusaram formalmente a naturalização. O professor João Campos afirma que em 1893 moravam em Porto Feliz 62 belgas, 39 italianos, 16 espanhóis. Devia haver algum alemão, português, e outras nacionalidades em menor número.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

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