Mãe
- tribunaporto
- 13 de abr.
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Sei que estamos mais próximos da Páscoa do que do Dia das Mães. Eu deveria, então, me atentar ao contexto antes de produzir esta crônica. No entanto, chamo a atenção para uma questão: a mercantilização dessas datas não possui relação alguma com o sentimento original que as motivou. Por isso, hoje senti vontade de homenagear uma pessoa a quem devo praticamente tudo: minha mãe.
Não devo apenas a oportunidade de desfrutar da vida (o que já é muito). Minha mãe foi responsável também pela minha formação enquanto pessoa. Valores que carrego até hoje, como a honestidade, foram, certamente, sementes que ela plantou e que brotaram. Nem todas as semeaduras vingaram, mas isso foi por conta da pobreza do solo de minha alma. Porém, as principais, as que me ser vem até hoje, tornaram-se frondosas árvores robustas. Talvez seja por isso que carregamos o mesmo nome: Carvalho.
O Carvalho, além do nome materno de minha família, refere-se a uma árvore cuja principal qualidade é a robustez. Uma de suas características mais marcantes é suportar as mais terríveis intempéries e sempre sair delas renovado e mais forte. Assim é o Carvalho, assim é minha mãe. Hoje, a vejo como um exemplo para nós, da família: passou por muitas tribulações, mas mantém-se forte, nos emprestando essa fortaleza.
Alguns episódios de minha vida marcaram profundamente minhas memórias. Lembro como se fosse hoje: eu tinha por volta de 9 ou 10 anos e vi numa banca de jornal um livro do Sherlock Holmes. Era o volume número 3 de uma coleção publicada pela Editora Savério Fitipaldi e, apesar da qualidade do conteúdo, a apresentação gráfica era um tanto precária — um livro efêmero, para ser consumido como revista. Aquele livro custava setecentos cruzeiros (Cr$ 700,00), numa época em que o dinheiro era curtíssimo e não havia espaço para luxos. A década de 1980 foi chamada de “a década perdida”, dado que as constantes crises econômicas quase levaram o país à bancarrota. Minha mãe me percebeu soturno naqueles dias. Eu sabia que não cabia no orçamento familiar gastar aquela quantia com um livro (que, no fim, beneficiaria apenas a mim, o leitor).
Depois de muito sondar, ela descobriu que eu estava chateado por não poder comprar o livro que tanto queria. Então, não sei como, conseguiu o dinheiro e me disse para adquirir o exemplar. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Ainda guardo comigo esse livro (aliás, estou olhando para ele agora, enquanto escrevo). Anos depois, quando as coisas melhoraram, minha mãe comprou a coleção completa do Sherlock Holmes, editada pela Ediouro, que na época fez uma liquidação. Os cinquenta e seis contos e quatro novelas de Sir Arthur Conan Doyle, com as aventuras do intrépido detetive, estão nessa coleção que também guardo com muito carinho.
Nos momentos em que precisei de apoio, minha mãe estava lá. Quando chorei ou celebrei algo em minha vida, ela esteve presente. E continua vibrando com meus sucessos e me consolando quando eles não acontecem.
Tenho muito orgulho de meu filho manter uma relação tão próxima com a avó, pois é como se eu es tivesse lá também quando não posso. Diariamente, ele a visita e lhe faz companhia.
Sei que jamais poderei pagar por tudo o que minha mãe fez e faz por mim. Não há como saldar uma dívida dessa proporção. A única forma de chegar perto de quitá-la é seguir o exemplo que recebi dela.
Toda vez que devolvo um troco dado a mais, toda vez que ajudo alguém que nem sequer conheço, toda vez que celebro as conquistas alheias sem me incomodar com isso, toda vez que fujo de fofocas ou evito prejudicar intencionalmente alguém, estou, certamente, saldando par te dessa dívida. Nunca a pagarei por completo, mas honrarei o compromisso de manter os valores que ela me ensinou.
Gratidão, minha querida mãe Neyde.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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